domingo, 5 de julho de 2015

SOMOS CABO VERDE

Tapete vermelho, jovens aprumados e gentis ladeando e acompanhando os convidados, um cheirinho a glamour hollyoodiano e as damas desfilando os saltos 15, os vestidos sem costas nem ombros, saídas das páginas da Vogue. Algumas são modelos profissionais, outras estacionaram na tentativa, todas lindas e brilhantes de encanto e juventude, um mundo de beleza mobilizado a partir da varinha mágica da Margarida Conde. E como ela corria, meu Deus! Para tudo coordenar, para compor o que entretanto se desmoronara, o próprio hotel Praia Mar passando por uma fase de reestruturação quase incompatível com o evento que acolhia à sua volta e sobre a piscina. Nesta, uma estrutura improvisada com muita criatividade, toda a inventiva crioula ali investida para potenciar a água sob a passarela, as luzes, todo o clima festivo. E pairando nos céus uma lua grávida e sensual parecia dizer: é tudo vaidade! Mas lá permaneceu a noite toda como uma divindade que a todos abençoasse e protegesse.
Instalados no enorme terraço os convidados, sem atropelos, por isso corria Margarida, começa o espectáculo conduzido por uma segura e encantadora ex-aluna minha que atende pelo nome de Nancy Vieira, apreciada por todos no mundo da música. Estas minhas alunas me enchem de um tão grande e desmedido orgulho que sinto também minhas todas as suas glórias e sucessos. A Nancy, com a voz domada e refinada começou e conduziu com mestria todas as fases da noite de gala. Tenho a certeza que a sua performance trouxe maior brilho a todo o evento e terá sido a cereja que Margarida Conde coloca sobre o seu bolo.

O seu bolo se chama “Somos Cabo Verde”. Somos nós todos, os que amam e sofrem, os que ganham e perdem, os que lutam e aprendem a cair e voltar a levantar, os que comeram pedras para não perecer, os que foram e já não são os flagelados do vento leste. No palco de “Somos Cabo Verde” desfilaram prémios, artistas, promessas, gerações que partem e gerações que chegam, jovens, muitos jovens, a seiva viva que mantém de pé esta Nação. De parabéns está a Artemédia, de parabéns toda a equipa que levou a bom porto o projecto, de parabéns os nomeados, os premiados, os que assistiram quer presencialmente quer pela TV, de parabéns a Margarida Conde e a Nancy, mais uma vez, que além de cantora excelente, se reinventa como apresentadora de excelência. Aquele final com “Labanta braço” fez-me sentir de novo o frémito de emoção e o sabor salgado das lágrimas daquele distante 5 de Julho de 1975. Viva Cabo Verde!    

-Fatima Bettencourt-
05/07/2015

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

POVO SAKEDO

Depois de tantos anos, ainda de lágrimas nos olhos, hoje, publico aqui no meu blog um texto que a minha mãe escreveu uns dias depois da partida do meu grande amigo Pantera.
"Hoje nós todos nos juntamos para chorar nosso menino. Esquecemos contagens de votos, fraudes, insultos, manipulações, e fomos todos juntos levar o nosso menino ao ultimo lugar da terra onde queríamos que ele estivesse.
Uma imensa dor nos irmanou, vi inimigos se consolando, as lágrimas de um se confundindo com as do outro, e não pude deixar de pensar num sacrifício para aplacar a ira dos deuses.
Até agora a voracidade pelo poder pareceu tão mesquinha, tão pequena e tão desprezível quando a noticia da morte do Pantera começou a esbarrar com a nossa incredulidade. Não! Pantera não! É o que repete sem cessar a sua companheira Carla no paroxismo do desespero. É o que nós todos também pronunciamos sem qualquer capacidade de racionalizar ou aceitar a situação.
Ainda há pouco era o jovem promissor, o talento raro e isolado dos novos caminhos da musica cabo-berdiana, era o jovem generoso e sensível que nunca deu um único sinal de vaidade ou vedetismo, era o amigo querido que a todos cativava com a sua simpatia natural. Ainda há pouco encontrara á porta do Cachito, entusiasmado com os inúmeros projectos, a viagem próxima porque “gossi li nada n’ka ta poi frenti di CD. Rigistu ê importanti dimaz” dizia-me ele, num pé e no outro, mal podendo conter a impaciência.
Agora que oiço ao longe o som dos búzios da tabanca que conduzem à ultima morada, avalio bem como é importante o registo. Não estava lá ninguém para cantar: “Eh” Rei, cu sê espada di PA dianti…” E a tabanca prosseguia na sua toada surda e ao mesmo tempo longínqua, vinda lá do fim dos tempos, uma nota pungente soblinhada pelo tambor desgarrado, um arrepio percorre o povo sakedo nas bermas da Avenida, não tinha mais jeito, o nosso poeta morrera e  nós parecíamos órfãos no nosso desamparo.
A imensa multidão parece um rio lento que vai desaguando em direcção ao cemitério, das bocas sai uma morna que ecoa como um imenso coro e se ouve em toda a cidade “Caminho longe, separaçon, ôi partida bô ê um dor profundo”. Cada rosto é a imagem da dor e do desalento, vejo Manu Preta, Paló, Glória Martins desfeita, mais ale uns estrangeiros soluçando, Marilena se aproxima, apenas nos abraçamos em silêncio, é dor demais, sentimo-nos mutilados. Em todos os olhos a muda interrogação: quando vamos ter outro jovem tão especial como este que agora perdemos?
Quando o tempo cicatrizar uma parte dessa ferida, o que de nós sobrar, irá com toda a certeza continuar o trabalho agora interrompido – é o que deduzo das palavras amachucadas de Kisó na entrevista ao Santos Spencer. Um talento com tanto brilho próprio não se esgota numa geração, menos ainda num tempo breve de vida como foi o de ORLANDO PANTERA. Tenho a certeza que ele passou o facho a outro estafeta e esse a outro e outro, na cadeia infinita que a nossa saudade impõe e a sua memória merece."
Praia, 02 de Março de 2001 - Fátima Bettencourt