Depois de tantos anos, ainda de lágrimas nos olhos, hoje, publico aqui no meu blog um texto que a minha mãe escreveu uns dias depois da partida do meu grande amigo Pantera.
"Hoje nós todos nos
juntamos para chorar nosso menino. Esquecemos contagens de votos, fraudes,
insultos, manipulações, e fomos todos juntos levar o nosso menino ao ultimo
lugar da terra onde queríamos que ele estivesse.
Uma imensa dor nos
irmanou, vi inimigos se consolando, as lágrimas de um se confundindo com as do
outro, e não pude deixar de pensar num sacrifício para aplacar a ira dos
deuses.
Até agora a voracidade
pelo poder pareceu tão mesquinha, tão pequena e tão desprezível quando a
noticia da morte do Pantera começou a esbarrar com a nossa incredulidade. Não!
Pantera não! É o que repete sem cessar a sua companheira Carla no paroxismo do
desespero. É o que nós todos também pronunciamos sem qualquer capacidade de
racionalizar ou aceitar a situação.
Ainda há pouco era o
jovem promissor, o talento raro e isolado dos novos caminhos da musica
cabo-berdiana, era o jovem generoso e sensível que nunca deu um único sinal de
vaidade ou vedetismo, era o amigo querido que a todos cativava com a sua
simpatia natural. Ainda há pouco encontrara á porta do Cachito, entusiasmado
com os inúmeros projectos, a viagem próxima porque “gossi li nada n’ka ta poi
frenti di CD. Rigistu ê importanti dimaz” dizia-me ele, num pé e no outro, mal
podendo conter a impaciência.
Agora que oiço ao longe
o som dos búzios da tabanca que conduzem à ultima morada, avalio bem como é
importante o registo. Não estava lá ninguém para cantar: “Eh” Rei, cu sê espada
di PA dianti…” E a tabanca prosseguia na sua toada surda e ao mesmo tempo
longínqua, vinda lá do fim dos tempos, uma nota pungente soblinhada pelo tambor
desgarrado, um arrepio percorre o povo sakedo nas bermas da Avenida, não tinha
mais jeito, o nosso poeta morrera e nós
parecíamos órfãos no nosso desamparo.
A imensa multidão
parece um rio lento que vai desaguando em direcção ao cemitério, das bocas sai
uma morna que ecoa como um imenso coro e se ouve em toda a cidade “Caminho
longe, separaçon, ôi partida bô ê um dor profundo”. Cada rosto é a imagem da
dor e do desalento, vejo Manu Preta, Paló, Glória Martins desfeita, mais ale
uns estrangeiros soluçando, Marilena se aproxima, apenas nos abraçamos em
silêncio, é dor demais, sentimo-nos mutilados. Em todos os olhos a muda
interrogação: quando vamos ter outro jovem tão especial como este que agora
perdemos?
Quando o tempo
cicatrizar uma parte dessa ferida, o que de nós sobrar, irá com toda a certeza
continuar o trabalho agora interrompido – é o que deduzo das palavras
amachucadas de Kisó na entrevista ao Santos Spencer. Um talento com tanto
brilho próprio não se esgota numa geração, menos ainda num tempo breve de vida
como foi o de ORLANDO PANTERA. Tenho a certeza que ele passou o facho a outro
estafeta e esse a outro e outro, na cadeia infinita que a nossa saudade impõe e
a sua memória merece."
Praia, 02 de
Março de 2001 - Fátima
Bettencourt
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